Vissungos, Danças e Batuques
Quanto
às “danças específicas ou comuns das comunidades negras”, destacam-se
entre elas, sem dúvida, o batuque e seus derivados, como por exemplo, o
lumdum. Se bem que o Estado de Minas em matéria recente referiu-se a
“batuque dos pretos” e o “lundum dos brancos”.(!).
As Cartas Chilenas, para zombar do Fanfarrão Minésio, comparam um local de lazer que o governador criara
em Vila Rica ao próprio Quilombo do Pai Ambrósio, onde, depois de falar
da iluminação noturna com tigelas de azeite, fala de toda a gentalha e
pretos que lá compareciam, da lascívia, da mistura de classes sociais,
da mulata em trajes de homem, das danças de lundu e do vil batuque,
enfim - na visão do escriba e de seu público - do pecado e da imundície
social e espiritual do local.
A iconografia brasileira, mormente através de Spix & Martius, Rugendas e Debret, é rica em imagens dessas danças, sem dúvida de origem africana, mormente dos povos de Angola e de Moçambique.
Os negros de todas as nações, além de pendores para todas as artes, têm o ritmo na alma. Sem ritmo, não há vida. Os comerciantes tumbeiros descobriram isto logo nos primeiros contatos com a África. Quando traziam suas cargas para o Brasil, regularmente levavam os cativos para o convés e os faziam dançar para evitar doenças tais como o banzo que, acometendo um negro, o mata de tristeza.
Também para trabalhar, os pobres escravos lançavam mão do canto e do ritmo para aliviar os seus sofrimentos. Aires da Mata Machado Filho ensinou que:
“Esses cantos de trabalho ainda hoje são chamados de 'vissungos'. A sua tradução sumária é o 'fundamento', que raros sabem hoje em dia. Pelo geral dividem-se os vissungos em 'boiado', que é o solo tirado pelo 'mestre' sem acompanhamento nenhum, e o 'dobrado', que é a resposta dos outros em coro, às vezes com acompanhamento de ruídos feitos com os próprios instrumentos usados na tarefa”.
As festas religiosas das confrarias de negros e pardos não satisfaziam de todo a vontade de cantar, de dançar e batucar; os cantos de trabalho limitavam-lhes a expressão corporal e a criatividade. Além do mais, ninguém é de ferro!
Altas horas da noite, após um duro dia de trabalho, e mais comumente no domingo, com ou sem a autorização do 'sinhô', a grande alegria era o batuque.
A iconografia brasileira, mormente através de Spix & Martius, Rugendas e Debret, é rica em imagens dessas danças, sem dúvida de origem africana, mormente dos povos de Angola e de Moçambique.
Os negros de todas as nações, além de pendores para todas as artes, têm o ritmo na alma. Sem ritmo, não há vida. Os comerciantes tumbeiros descobriram isto logo nos primeiros contatos com a África. Quando traziam suas cargas para o Brasil, regularmente levavam os cativos para o convés e os faziam dançar para evitar doenças tais como o banzo que, acometendo um negro, o mata de tristeza.
Também para trabalhar, os pobres escravos lançavam mão do canto e do ritmo para aliviar os seus sofrimentos. Aires da Mata Machado Filho ensinou que:
“Esses cantos de trabalho ainda hoje são chamados de 'vissungos'. A sua tradução sumária é o 'fundamento', que raros sabem hoje em dia. Pelo geral dividem-se os vissungos em 'boiado', que é o solo tirado pelo 'mestre' sem acompanhamento nenhum, e o 'dobrado', que é a resposta dos outros em coro, às vezes com acompanhamento de ruídos feitos com os próprios instrumentos usados na tarefa”.
“Alguns
são especialmente adequados ao fim e acompanham fases do trabalho nas
minas. Outros parecem cantos religiosos adaptados à ocasião, já no
exercício consciente de práticas feiticistas, já pelo esquecimento do
primitivo significado”[1].
“Os
negros no serviço cantavam o dia inteiro. Tinham cantos especiais para a
manhã, o meio dia e a tarde. Mesmo antes do sol nascer, pois em regra
começava o serviço alta madrugada, dirigiam-se à lua, em uma cantiga de
evidente teor religioso”[2].
Dos vissungos,
pode-se dizer, originam-se também muitas das tradições dos desafios de
repentistas onde, os cantadores, lançando mão até mesmo de recursos
mágicos - cantando com a boca na terra, por exemplo - procuravam abafar o
canto do grupo adversário. As festas religiosas das confrarias de negros e pardos não satisfaziam de todo a vontade de cantar, de dançar e batucar; os cantos de trabalho limitavam-lhes a expressão corporal e a criatividade. Além do mais, ninguém é de ferro!
Altas horas da noite, após um duro dia de trabalho, e mais comumente no domingo, com ou sem a autorização do 'sinhô', a grande alegria era o batuque.
“De
acordo com algumas interpretações a este respeito, alguns senhores
permitiam estas 'distrações', não por sentimento humanitário ou de
respeito à cultura de seus escravos mas, ao contrário, para manter viva a
origem africana. Isto significa que ao reviver suas tradições os negros
não se esqueceriam de muitas das aversões e disputas. '(...) Assim
divididos, eles não se arriscariam a um levante em conjunto (...) contra
os seus senhores (...)”[3].
Mas
foi mesmo nas vendas que o batuque ganhou a sociedade como um todo e
criou fama. Má fama: as reclamações mais freqüentes eram sobre as
desordens e brigas ocorridas nos batuques que sempre foram proibidos,
mas que nunca pararam de se realizar, nas vendas. Em algumas vilas, no
século XIX, ainda eram proibidos:
“São
tão bem proibidas as infames e perniciosas danças a que chamão
batuques, ou se fação em público, ou em particular, de dia ou de noite,
como oppostas aos Dogmas da Nossa Santa Religião, e Moral pública, e
pelas terríveis conseqüências que repetidas vezes tem acontecido com tão
deshonesto brinquedo: toda a pessoa de qualquer sexo, qualidade ou
condição que seja, que se achar comprehendida em taes danças será preza
por dez dias posto que não seja em flagrante; a mesma pena terá o dono,
ou dona da caza em que se fizerem as ditas danças. 1829”[4].
Digno
de nota é que, proibido aos pretos e gentalhas, o batuque foi para as
altas rodas de Vila Rica, onde, em 1815 era permitido e festejado,
consoante anotou o viajante inglês George Wilhelm Freyreiss:
“Entre
as festas merece menção a dança brasileira, o batuque. Os dançadores
formam roda e, ao compasso de uma viola, move-se o dançador no centro,
avança e bate com a barriga de um outro da roda, de ordinário pessoa de
sexo oposto. No começo, o compasso da música é lento, porém, pouco a
pouco, aumenta, e o dançador do centro é substituído cada vez que dá uma
umbigada; e assim passam noites inteiras. Não se pode imaginar uma
dança mais lasciva do que esta, razão porque tem muitos inimigos,
especialmente entre os padres. Assim, por exemplo, um padre negou a
absolvição a um seu paroquiano, acabando dessa forma com a dança, porém,
com grande descontentamento de todos. Ainda há pouco, dançava-se o
batuque em
Vila Rica numa grande festa na presença de muitas senhoras, que
aplaudiram freneticamente. Raro é ver outra dança no campo, porém, nas
cidades, as danças inglesas quase que substituíram o batuque”[5].
Durante
quase todo o século XIX o batuque sobreviveu nas vendas e festas de
gente pobre. Num determinado momento, passou a ser chamado pelos ricos
despeitados de forrobodó. (Forro: de forro, ex-escravo; bodó: de bodum (buzum), cheiro de preto, ou de bode, cabra, mestiçado com negro)[6]. Esta festa de pretos e gentalha seria, hoje, o nosso forró[7].
Mas, voltando aos primórdios do batuque, quando se realizava até altas horas da noite, com toda a sua maravilhosa indecência, “onde se cometiam muitas brigas e insolências, razão de muita cabeça quebrada e fato derramado”[8], no seu palco maior:
Atrás do batuque e da prostituição das vendas, havia os pontos de contatos e contratos ligados ao contrabando.
O apoio governamental aos grupos de dança afro poderia garantir a sobrevivência das danças antigas. Porém, seria adequado que esses grupos, ligados ou não a comunidades quilombolas, se organizassem em associações e confederações.
O apoio governamental aos grupos de dança afro poderia garantir a sobrevivência das danças antigas. Porém, seria adequado que esses grupos, ligados ou não a comunidades quilombolas, se organizassem em associações e confederações.
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